Já estava a meio da próxima rua quando o mesmo carro avança ao meu encontro, até que parou ao meu lado. A saudação autoritária daquela figura de cor branca solene – jalabia, turbante e chale – deu-me claramente a entender que estava em presença dum agente da segurança do governo ou da polícia secreta. A seguir, num tom rude e provocador, perguntou:- Libanês ou egípcio?
Europeu” – respondi secamente e sem vontade de alimentar conversa.
- Para onde vais?
- Kereri.
- É lá a tua residência?
- Não, mas tenho gente que me espera no centro cristão que se situa nesse bairro.
- Qual a NGO em que trabalhas? Quem te paga para estares aqui no Sudão?
- Não trabalho em NGO alguma. Pertenço à igreja católica. Não tenho um salário garantido nem estipulado. Mas não hei-de morrer de fome, in chá Allah.
- Qual é o teu trabalho específico?
- Sou padre católico.
- Padre daquela igreja situada no el Suq el Kabir de Nyala?
- Sim, essa é a igreja católica.
Vi o conductor mudar de semblante. Nos seus lábios apareceu um sorriso que não era de fingimento. Desceu do veículo e a sua mão apertou a minha num gesto prenhe de amizade e afecto.
- “Mabruk, parabéns! Tenhas um dia feliz ” – concluiu.
Aquele homem terá sido testemunha – como não? – da consolação e alegria que invadiu o meu estado de espírito. Já o automóvel começava a mover-se quando os meus lábios soltaram palavras de rotina, mas verdadeiras: “Obrigado! O mesmo te desejo a ti!”.
O encontro com aquela figura do governo absorveu o resto do meu caminho que senti mais leve e menos longo.
Cheguei ao destinado local e contei-lhes a história daquela desconhecida autoridade que me obrigou a responder a um interrogatório ameaçador para, no fim, me dar o prazer de um desfecho feliz:
- Um estranho e desconhecido brindou-me com os parabéns. Eu recebi-os em nome da igreja-comunidade cristã da qual todos nós fazemos parte. Foi em vosso nome que o fiz. Dele recebi palavras de encorajamento para a vivência da nossa fé. Vivamo-la a tempo e a destempo (como disse S. Paulo), em casa e fora de casa, em tempo de paz e em tempo de guerra e perseguição, com os amigos e com os inimigos (como disse Jesus Cristo).
A Angelina, ali pertinho de mim, tomou a palavra:
- Acredito que os parabéns com que o tal senhor congratulou o Pe. Feliz sejam verdadeiramente merecidos. Mas o que aquele homem tinha em mente quando pronunciou aquela palavra, só Deus o sabe. A Ele pedimos sabedoria e coragem para viver o amor-caridade com todos, cristãos e não cristãos, sobretudo nas zuruf (circunstâncias) mais dificeis e arriscadas para a nossa fé.
A Mary, que conhecia bem de perto o testemunho de vida desta sua amiga e vizinha, afirmou: “parabéns, Angelina”.
- Eu?! porquê? – perguntou, pondo a descoberto a sua humildade.
- A Mary estava bem certa da sua afirmação. Só teve receio de ficar aquém da medida exacta. Voltou-se de novo para a Angelina e disse, pausadamente:
- Deixa que só Deus o saiba…
As vozes confirmativas ouviram-se por toda a assembleia: “Amen”!
Pe. Feliz - Fevereiro 2009 - Nyala
Publicado AKI
2 comentários:
Que Deus o saiba... E mo conte...
Fica bem,
Miguel
Padre Feliz ... Ele, sim, é daqueles que ajuda o Darfur ...
Rezemos pela sua missão.
beijos
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